sábado, 17 de maio de 2014

STF reabre polêmica sobre (i)legalidade da terceirização de call center

Após o Colendo Tribunal Superior do Trabalho consolidar o entendimento sobre a ilegalidade da terceirização do call center de telefonia naquele Tribunal – vide publicações postadas neste blog em 09/11/2012 e 29/06/2011 – a discussão é reaberta após decisão prolatada pelo ministro do P. STF, Gilmar Mendes, na Rcl 10132 ajuizada pela VIVO S/A.

Na análise da Rcl citada o Ministro do STF cassou a decisão do C. TST proferida nos autos do Recurso de Revista n. 6749/2007-663-09-00 e determinou que outra decisão seja proferida em seu lugar, com observância do princípio da reserva de plenário.

Segundo a decisão, (...) ao afastar a terceirização da atividade de call center por parte das empresas de telecomunicação, por entendê-las compreendidas no conceito de atividade-fim, o Tribunal de origem acaba por negar vigência ao disposto no art. 94, II, da Lei 9.472/97, que expressamente as autoriza a contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço.

Segue abaixo a decisão, verbis:

DECISÃO: Trata-se de reclamação constitucional, com pedido de medida liminar, ajuizada por Vivo S/A Empresa de Telecomunicações contra ato da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho que, nos autos do Recurso de Revista n. 6749/2007-663-09-00, teria descumprido a Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal, ao afastar a aplicabilidade de dispositivo no art. 94, II, da Lei 9.472/1997.
Referido dispositivo estabelece que a concessionária de serviço de telecomunicações poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem comoa implementação de projetos associados, desde que observadas as condições e os limites estabelecidos pela agência reguladora.
Na reclamação, alega-se que a decisão atacada foi proferida por órgão fracionário do Tribunal Superior do Trabalho e afastou a incidência do referido dispositivo, fundamentando-se no enunciado 331, III, daquela Corte, em decisão assim ementada, no que interessa:
“EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM - IMPOSSIBILIDADE. O § 1º do art. 25 da Lei nº 8.987/95, bem como o inciso II do art. 94 da Lei nº 9.472/97 autorizam as empresas de telecomunicações a terceirizar as atividades-meio, não se enquadrando em tal categoria os atendentes do sistema call center, eis que aproveitados em atividade essencial para o funcionamento das empresas. Recurso de revista conhecido e
desprovido”.
Assim, alega-se que houve descumprimento da Súmula Vinculante 10 desta Corte, segundo a qual viola a cláusula de reserva de plenário a decisão de órgão fracionário que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta 
sua incidência, no todo ou em parte.
Em 9.11.2010, deferi o pedido de medida cautelar, por verificar a possibilidade de contradição entre a Súmula 331, III, do TST, a qual limita a possibilidade de terceirização à atividade-meio das empresas de telecomunicações, e o art. 94, II, da Lei n. 9.472/1997, o qual permite a contratação com terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares.
O Ministério Público manifestou-se pela improcedência da ação, ao fundamento de que o Tribunal Superior do Trabalho apenas procedeu à adequada interpretação da legislação federal e afastou a aplicação da norma justificadamente. (eDOC 71)
A Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL), a Federação Brasileira de Telecomunicações (FEBRATEL), o Sindicato Nacional das Empresas Operadoras de Televisão por Assinatura e Acesso Condicionado (SETA) e a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT) foram admitidos na qualidade de assistentes simples.
É o relatório.
Decido.
A questão posta na presente reclamação diz respeito à observância da Súmula Vinculante 10 desta Corte pela decisão do Tribunal Superior do Trabalho que procedeu ao afastamento da incidência do art. 94, II, da Lei 9.472/1997, em relação às atividades de Call Center da empresa 
reclamante.
Referida lei dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, e o mencionado dispositivo permite à concessionária do serviço contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares, bem como a implementação de projetos associados, desde que observadas as condições e os limites estabelecidos pela agência reguladora.
Com fundamento nessa norma, a empresa VIVO S/A, ora reclamante, optou pela contratação de empresa interposta para a prestação do serviço de Call Center.
Ocorre que o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício direto entre o autor da reclamação trabalhista e a empresa VIVO S.A., ao fundamento de que o serviço de Call Center representa atividade-fim da empresa de telecomunicações, razão pela qual não pode ser objeto de terceirização, a teor da Súmula 331, III, do TST.
O voto condutor do acórdão reclamado expressamente assentou o seguinte:
“(…) Portanto, ao contrário do que sustenta a Parte, a atividade de atendimento telefônico prestado aos consumidores (sistema call center) está ligada à sua atividade-fim, sendo vedada a terceirização, sob pena de se permitir que empresa do ramo de telecomunicações funcione sem a presença de empregados, mas apenas prestadores de serviços, implicando em evidente precarização dos direitos dos trabalhadores, em confronto com os princípios constitucionais da dignidade dapessoa humana e da busca do pleno emprego, previstos nos arts. 1º, III e 170, VIII, da Carta Magna, respectivamente, e com o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de erradicar a pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, insculpido no item III do art. 3º da Constituição Federal.”
Entendeu o TST que as concessionárias de telefonia, não obstante a previsão do art. 94, II, da Lei 9.472/97, não poderiam contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades-fim, já que tal exegese confrontaria com o texto da Súmula 331/TST, sob pena de incorrer em terceirização ilícita.
A decisão é clara ao afastar a aplicação do art. 94, II, da Lei 9.472/97, ao fundamento de que essa regra não permite contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades-fim, sob pena de afrontar objetivos tutelares e redistributivos que caracterizaram a legislação trabalhista. Aduz, contudo, o TST que a decisão em questão não violaria o disposto no art. 97 da Constituição Federal, tampouco a Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que se estaria apenas interpretando dispositivo legal (art. 94, II, da Lei 9.472/97) à luz da jurisprudência sumulada daquela Corte.
Posta a questão nesses termos, verifica-se que o cerne da controvérsia está em definir se houve, de fato, afronta à reserva de Plenário, no tocante ao afastamento do disposto no art. 94, II, da Lei 9.472/97, lei que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicação no Brasil.
Dispõe a referida lei:
“Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:
[...] II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”.
Ora, o teor da regra em questão não parece deixar dúvidas quanto à violação do art. 97 da Constituição Federal, bem como à orientação assentada na Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal.
Ao reconhecer a ilicitude da terceirização para a atividade de call center, o Tribunal claramente afastou a aplicação do art. 94, II, da Lei 9.472/97, sem, contudo, observar a cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição Federal de 1988.
O art. 97 da Constituição estabelece que, somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial, poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
É certo que, no caso em tela, não se constata expressa declaração de inconstitucionalidade, a implicar violação frontal e direta da cláusula de reserva de plenário. Não obstante, a exigência do art. 97 deve ser observada não apenas nos casos em que há declaração expressa, mas também se o Tribunal afasta a aplicação de norma jurídica ou adota interpretação capaz de esvaziar ou adulterar por completo o programa normativo.
Também nessas hipóteses tem-se, ainda que por via oblíqua, inequívoca declaração de inconstitucionalidade e, por isso, afigura-se obrigatória a observância do disposto no art. 97 da Constituição Federal.
É essa, aliás, a interpretação assentada na Súmula Vinculante 10, assim redigida:
“VIOLA A CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (CF ART. 97) A DECISÃO DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL QUE, EMBORA NÃO DECLARE EXPRESSAMENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO DO PODER PÚBLICO, AFASTA SUA INCIDÊNCIA, NO TODO OU EM PARTE”.
É precisamente essa a hipótese dos autos. O Tribunal Superior do Trabalho não afirmou de maneira categórica e expressa a inconstitucionalidade do art. 94, II, da Lei 9.472/97, mas a interpretação que conferiu à norma afastou sua aplicação no caso concreto e, em grandemedida, esvaziou de todo o conteúdo da disposição em exame.
De fato, ao afastar a terceirização da atividade de call center por parte das empresas de telecomunicação, por entendê-las compreendidas no conceito de atividade-fim, o Tribunal de origem acaba por negar vigência ao disposto no art. 94, II, da Lei 9.472/97, que expressamente as autoriza a contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço.
Assim, resta caracterizada a situação de não observância do art. 97 da Constituição e da Súmula Vinculante 10 do STF.
Ante o exposto, julgo procedente a presente reclamação, para cassar a decisão do Tribunal Superior do Trabalho proferida nos autos do Recurso de Revista n. 6749/2007-663-09-00 e determinar que outra seja proferida em seu lugar, com observância do princípio da reserva de plenário.
Comunique-se à Assessoria do Plenário para retirada do feito da pauta.
 
Publique-se.
Brasília, 5 de maio de 2014.
 
Ministro GILMAR MENDES
Relator


Fonte: Supremo Tribunal Federal – Rcl. 10.132

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Total de visualizações de página